Foi publicada no dia 28 de março a Medida Provisória 1108/2022, que altera as regras sobre auxílio alimentação e teletrabalho. Antes de falar sobre seu conteúdo, importante salientar que a medida provisória tem natureza temporária, com vigência de 60 (sessenta dias), os quais podem ser automaticamente prorrogados por igual período se, dentro deste primeiro prazo, a MP não tiver a sua votação encerrada em ambas as casas legislativas do Congresso Nacional.
Então, embora tenha plena validade durante o seu período de vigência, não se recomenda mudanças profundas e estruturais antes do período de 120 dias, com base neste instrumento.
Outro ponto sempre afeto a natureza das medidas provisórias é a análise de sua constitucionalidade, cuja opinião será dada enquanto se discorre sobre o mérito. Pois bem, a MP 1.108/2022 traz algumas alterações no que se refere ao auxílio alimentação, determinando que esta parcela seja destinada, exclusivamente, ao pagamento de refeição em restaurantes ou de gêneros alimentícios comprados no comércio.
O governo alegou que a regra visa impedir que o auxílio, que tem tratamento tributário favorável, seja destinado à aquisição de produtos não relacionados à alimentação. Segundo consta, o Ministério do Trabalho teria informação de que tal benefício estaria sendo utilizado para outras finalidades, como pagamento de TV a cabo ou Netflix e academias de ginástica.
A medida provisória também proíbe as empresas de receber descontos na contratação de empresas fornecedoras de tíquetes de alimentação. Em sua justificativa, o governo afirma que o custo do desconto seria, posteriormente, transferido aos restaurantes e supermercados por meio de tarifas mais altas, e destes aos trabalhadores.
Para coibir o uso inadequado do auxílio-alimentação pelos empregadores ou pelas empresas emissoras dos tíquetes, a MP prevê multa entre R$ 5 mil a R$ 50 mil, aplicada em dobro em caso de reincidência ou embaraço à fiscalização.
Outro tema tratado pela MP se refere ao trabalho remoto. Umas das principais alterações é que a medida provisória cria dois tipos de regimes em trabalho remoto: o trabalhador por jornada e o trabalhador por produção ou tarefa, sendo que somente este último estaria excluído do regime de horas extras.
Assim, aquele trabalhador que está em regime de teletrabalho por jornada, e não por tarefa, passa a ter direitos a horas extras, o que implica na obrigação do empregador no registro da sua jornada. Já o trabalhador por tarefa fica excluído de tal regime.
Neste ponto, os reflexos da MP no regime de teletrabalho de cada empresa deverão ser analisados individualmente, entretanto, ressalvo desde já o entendimento de que o elemento principal a inserir o trabalhador em regime de horas extras está na possibilidade de fiscalização da jornada, por se tratar de trabalhador externo, e com base no princípio da primazia da realidade, que prevalece na legislação trabalhista.
De outro lado, o bom senso prevalece, devendo o trabalhador receber demandas compatíveis com a execução em sua jornada legal. E mais, ainda que se trate de trabalhador por tarefa, se houver o efetivo controle da jornada do trabalhador, este estará incluído no regime legal de horas extras.
Outra alteração legal está no fato de que, segundo a MP, não há mais necessidade de que a atividade ocorra de forma preponderante em ambiente externo para que seja considerada remota, abrangendo o espectro do que enquadraria como teletrabalho.
Assim, mesmo que o trabalhador compareça de forma habitual à empresa “para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento” não haveria descaracterização do regime de teletrabalho.
Outro ponto relevante está no §5° do artigo 75-B da CLT:
“O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, e de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
O referido dispositivo deve ser interpretado à luz do artigo 4° da CLT que fala sobre tempo à disposição. Desta forma, se o trabalhador estiver obrigado, por força do contrato de trabalho, a permanecer logado, ou utilizando as ferramentas citadas, estará à disposição do empregador e, portanto, passível de se caracterizar sobrejornada, sobreaviso ou prontidão.
Veja que o “acordo individual poderá dispor sobre os horários e os meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais”, podendo ser uma importante ferramenta para diminuir os riscos da caracterização de sobrejornada ou tempo à disposição.
A MP abrange os estagiários e aprendizes no regime de teletrabalho, além de trazer regulamentação acerca da aplicabilidade territorial das normas coletivas: “aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado”.
Inclusive, no que se refere ao trabalhador que executa suas atividades fora do Brasil: neste caso, se aplica a regulamentação brasileira, exceto no que for mais favorável ao trabalhador na legislação estrangeira, analisada por capitulo. (Lei 7.064/1982)
Entretanto, pode se afastar a aplicação da referida lei, através de acordo entre as partes.
Por fim, consta que o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese do empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes, e que “os empregadores deverão conferir prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados e empregadas com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto”.
Goiânia, 29 de março de 2022.
Patricia Miranda Centeno, gestora do Núcleo de Alta Complexidade do Miranda Arantes
OAB/GO 24.190